Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida. É bem evidente a vida mesquinha e vil que muitos levam, digo porque a experiência tem-me aguçado a visão para os que vivem na corda bamba, tentando negócios para escaparem às dívidas — esse antiqüíssimo atoleiro que os latinos chamavam de aes alienum, o cobre alheio — ainda assim vivendo e morrendo, enterrados pelo dinheiro alheio, sempre prometendo pagar, jurando pagar amanhã e morrendo hoje insolventes; bajulando por favores, angariando fregueses de mil e um modos desde que não redundem em prisão, mentindo, chaleirando, votando, enredando-se em meia dúzia de palavras corteses ou expandindo-se numa atmosfera de melíflua e vaporosa generosidade a fim de persuadirem o vizinho a deixá-los engraxarem seus sapatos, escovarem seu chapéu e casaco, limparem sua carruagem, ou ainda carregarem para ele compras da mercearia; fazendo-se de doentes de modo a economizarem algo para o dia em que estejam de fato doentes, algo a ser guardado numa velha cômoda ou armazenado atrás do reboco, melhor ainda, na bancada de tijolos, não importa onde, não importa se muito ou pouco. Os homens, em sua maioria, levam vidas de sereno desespero. O que se chama resignação é desespero crônico.
Henry David Thoreau
em Walden ou A Vida nos Bosques
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